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Foto do escritorLuiz Eduardo Bif

Strawberry Fields Forever

O papel do engenheiro numa música.



A música composta por John Lennon foi gravada durante as sessões do Sgt. Peppers mas lançada anteriormente como single. A letra foi inspirada nas lembranças de Lennon a brincar no jardim de "Strawberry Field", um orfanato do Exército da Salvação próximo de onde ele morava. A letra remonta a infância, mas com um toque bem fantasioso e psicodélico, assim como todo o Sgt. Peppers essa música levou muito tempo para ser gravada e ficar pronta.


Mas e a física?


Deixarei aqui um relato do próprio engenheiro de som do álbum, Geoff Emerick em seu livro Here, There and Everywhere:


No meio disso tudo, John estava ouvindo repetidamente seu vinil de “Strawberry fields forever”, e então decidiu que não estava gostando. Para alguém normalmente tão articulado, me deixava surpreso a forma como ele lutava para encontrar as palavras, sempre que tentava dizer a George Martin como ele queria o arranjo de uma canção. Dessa vez, ele ficou resmungando: “Eu não sei; eu apenas acho que deveria ser mais pesado, de alguma forma”.


“Mais pesado como, John?”, perguntou George.


“Eu não sei, apenas, sabe… mais pesado.”


Paul se esforçou para traduzir a noção abstrata de John em uma forma musical concreta. Mostrando quanto o som de flauta do mellotron havia funcionado, ele sugeriu que talvez alguns músicos fossem chamados ao estúdio, que a canção tivesse o apoio de alguma instrumentação orquestral. John adorou a ideia, pedindo especificamente violoncelos e trombetas.


“Faça um bom trabalho, George”, ele disse ao produtor, que ainda estava um pouco incerto, enquanto saía da sala de controle. “Apenas certifique-se de que está pesado.”


Lennon, no entanto, não queria simplesmente gravar mais instrumentos em cima da base já existente – ele queria desfazer tudo e começar de novo.


No fim das contas, nós provavelmente passamos mais de trinta horas fazendo a regravação de “Strawberry fields forever”. Claro, estávamos experimentando constantemente ao longo do caminho, tentando novidades, algumas das quais funcionaram e chegaram à gravação final, e outras não. Estávamos em busca da perfeição: não era uma questão de estarmos 99% por cento satisfeitos; todos nós tínhamos de ficar 100% felizes. É por isso que tudo no álbum que viria a ser chamado de Sgt. Pepper’s lonely hearts club band é tão original e preciso. Para essa faixa, John deixou de lado sua impaciência habitual; ele estava determinado a prosseguir até que a faixa fosse tudo o que ele queria que fosse. Talvez por causa das drogas que ele estava usando naquela época, John estava definitivamente muito mais suave durante as sessões iniciais de Sgt. Pepper. “Strawberry fields forever” recebeu mais tempo e atenção do que qualquer outra canção de John Lennon que tenha sido gravada pelos Beatles – até mesmo mais do que suas obras-primas posteriores, “A day in the life” e “I am the walrus”.


Mesmo quando a regravação estava completa, adornada por todo o tipo de instrumentos exóticos como piano dedilhado, o som de pratos reproduzidos de trás para frente e o swordmandel de George Harrison (um instrumento indiano um pouco parecido com uma harpa) e depois de ter sido mixada ao gosto de todos, havia ainda mais uma surpresa por vir.


“Eu tenho escutado muito os vinis com a gravação de ‘Strawberry fields’”, John anunciou poucos dias depois, “e eu decidi que ainda prefiro o início da versão original”.


Meu queixo caiu. Com o canto do meu olho, pude ver George Martin piscando lentamente. Eu quase pude sentir a pressão dele subir. Ignorando a nós dois, Lennon continuou.


“Então o que eu gostaria que o nosso jovem Geoffrey aqui fizesse é juntar as duas gravações.”


George Martin deixou escapar um grande suspiro. “John, nós ficaríamos felizes em fazer isso”, disse ele, o sarcasmo evidente em sua voz. “A única coisa que nos impede é o fato de que as duas versões foram gravadas em tons diferentes e em andamentos diferentes.”


John parecia perplexo; eu não tenho certeza se ele havia mesmo entendido por que aquilo representava um problema.


“Você pode fazer isso”, ele disse, simplesmente. Com isso, ele se virou e saiu pela porta.


“O que você acha, Geoff?”, me perguntou um George desanimado depois que John foi embora. Minha resposta foi evasiva.


“Eu não tenho certeza, eu acho que tudo o que podemos fazer é tentar.”


Felizmente, como George Martin disse muitas vezes nos anos seguintes, os deuses sorriram para nós. Mesmo que os dois takes que John queria unir tivessem sido gravados com uma semana de intervalo entre eles e fossem radicalmente diferentes, os tons não eram tão distantes – a diferença era de apenas um semitom – e os andamentos estavam bem próximos. Depois de algumas tentativas e alguns erros, descobri que, ao acelerar a reprodução do primeiro take e ao diminuir a reprodução do segundo, eu poderia fazê-los coincidir tanto em tom quanto em andamento.


Em seguida, eu tinha de encontrar um ponto de edição adequado, um que não fosse óbvio. A ideia, afinal de contas, era fazer com que os ouvintes pensassem que estavam ouvindo uma performance completa. O ponto que eu escolhi era quase aos sessenta segundos da canção, no início do segundo refrão, com a palavra “going” (“Let me take you down / ‘Cause I’m going to…”).


Agora era uma questão de descobrir exatamente quando alterar as velocidades da reprodução. George e eu decidimos fazer com que a segunda metade tocasse o tempo todo na velocidade mais lenta; isso deu à voz de John uma qualidade rouca, grossa, que parecia complementar a letra psicodélica e a instrumentação que acontecia. As coisas foram um pouco mais complicadas com a primeira parte, que começava com um andamento perfeito e conciso e nós não queríamos acelerá-lo até o fim. Felizmente, os gravadores de fita da EMI eram equipados com controles varispeed muito precisos. Praticando um pouco, eu consegui aumentar gradualmente a velocidade do primeiro take e levá-lo até o ponto certo em que sabíamos que a edição seria feita. A mudança ficou tão sutil ao ponto de ser praticamente imperceptível.


Havia ainda um último obstáculo a superar. Descobri que eu não poderia cortar a fita em um ângulo de quarenta e cinco graus normal, porque o som simplesmente quase pulava – afinal, eu estava unindo duas performances totalmente diferentes. Como resultado, eu tive de fazer o corte em um ângulo muito raso para que ele fosse mais um fade do que uma emenda. Demorou muitas horas para que tudo funcionasse perfeitamente, mas nós nos sentimos recompensados em gastar todo aquele tempo, porque “Strawberry fields forever” seria uma gravação que serviria como referência.


Assim como em When I'm Sixty-four, os dois takes que foram unidos, foram lançados na versão comemorativa de 50 anos do Sargeant Peppers Lonely Hearts Club Band. Confira as duas abaixo:


Take 7


E o take 26


Conseguiu notar a diferença entre elas e o ponto de união? Com certeza podemos dizer que Geoff Emerick fez um grande trabalho nessa música!


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